18 de Agosto
Abertura com o filme : “O Palhaço”
O Palhaço
Em sua estreia como diretor no excelente
Feliz Natal, o ator Selton Mello mostrou uma segurança invejável na condução de uma história dramaticamente
pesada e que tinha personagens de grande complexidade. Se naquele filme Mello optou por ficar responsável apenas pelo roteiro e pela direção, em
O Palhaço ele mostra ter confiança para aparecer também na frente das câmeras, algo bastante compreensível já que, em comparação com
Feliz Natal, este novo filme é muito mais leve. O resultado do grande talento do ator em sua tripla função resulta em um filme adorável do início ao fim.
Escrito por Selton Mello em parceria com Marcelo Vindicatto,
O Palhaço nos mostra a vida de um grupo de circo liderado por Benjamim (Mello) e seu pai, Valdemar (Paulo José), a dupla de palhaços da trupe. Para os olhos do público que os assiste, trata-se de um grupo feliz e divertido. Mas a realidade é bem diferente, já que eles mal têm
dinheiro para se sustentar. Ao mesmo tempo, Benjamim está em busca de algo que não tem conhecimento, mas que poderá definir o resto de sua vida.
Mello inicia o filme nos apresentando ao espetáculo do circo. O grupo é composto de profissionais talentosíssimos, o que faz com que o show seja alegre, descontraído e muito divertido. Logo depois disso, o diretor corta para o pós-show nos bastidores e mostra que o grupo tem seus próprios problemas, como a precariedade do local e da instalação. A boa fotografia de Adrian Teijido difere bastante as duas partes. Se inicialmente vemos cores quentes que ressaltam a beleza e a alegria do espetáculo, depois vemos cores mais escuras, mostrando que nem tudo é o que parece. A direção de arte também faz um ótimo trabalho neste quesito ao mostrar as tendas do grupo, que são pequenas e construídas improvisadamente.
Como diretor, Selton Mello mostra um grande amadurecimento desde sua estreia. Se em
Feliz Natal ele investia bastante em planos longos, em
O Palhaço isso já não acontece, já que o
número de personagens com o qual ele precisa se preocupar neste novo filme é maior do que antes. Mello consegue lidar muito bem com todos eles, desenvolvendo-os aos poucos, e dando aos personagens secundários a mesma atenção dedicada ao protagonista. Além disso, a sensibilidade que ele demonstra ajuda ainda mais no funcionamento da história.
O modo como o roteiro de Mello e Vindicatto trata o grupo de artistas é admirável. Durante boa parte do filme, eles aparecem juntos, seja para buscar ajuda para um mecânico ou quando são presos. Eles brincam e são compreensíveis uns com os outros. Em resumo, Benjamim e seus companheiros mostram ser uma bela família. Apesar de o momento deles não ser dos melhores, eles nunca mostram estar tristes. Isso fica ainda mais evidente na cena em que o grupo vai almoçar na casa de um prefeito. A família do circo é grande e pobre, enquanto a família do prefeito é pequena e rica. Mesmo com essas diferenças, as duas mostram ser felizes ao
seu próprio modo. No entanto, os artistas ainda anseiam por uma melhora de vida, algo que reflete no próprio nome do circo (“Esperança”).
Uma das grandes forças de
O Palhaço reside em seus personagens, a
começar pelo protagonista. Interpretado por Selton Mello com uma expressão quase sempre séria, Benjamim conquista o espectador logo em sua primeira cena, quando mostra ser um palhaço divertidíssimo. Mas por trás da maquiagem, do nariz vermelho e das roupas xadrez, há um rapaz que não se preocupa só com os próprios problemas, mas também com os problemas do circo. E é quase impossível não gostar de Selton Mello, um dos atores mais talentosos e carismáticos da atualidade. Além disso, a química que ele demonstra com Paulo José é sensacional, resultando em uma das cenas mais emocionantes do filme. Aliás, o veterano ator tem uma grande atuação interpretando um homem que se importa com o bem-estar daqueles que estão a sua volta, não sendo intransigente quando o assunto é dinheiro.
O elenco secundário também mostra grande carisma, desde o mágico de Cadu Fávero até a menina Guilhermina interpretada por Larissa Manoela. E as participações especiais de figuras como Moacyr Franco, Tonico Pereira e Ferrugem deixam o filme ainda mais divertido graças ao ótimo timing cômico que eles mostram em suas rápidas cenas.
O Palhaço pode ser apenas o segundo longa-metragem dirigido por Selton Mello, mas ele já mostra ser merecedor de nossa atenção não só pelo seu grande talento na frente das câmeras, mas também por trás delas.
Cotação:
25 de Agosto
Encerramento com o filme: “Xingú”
Toda vez que se fala na questão indígena no Brasil, uma referência imediata está nos irmãos Villas Bôas.
No começo dos anos 1940, os paulistas Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas deixaram para trás uma vida classe média em São Paulo, juntando-se à "Marcha para o Oeste", que os colocou em contato com o ambiente em que passariam a maior parte de sua vida, na selva amazônica, e onde imprimiriam uma marca única como sertanistas - que virou referência, ainda que não acima de críticas e contestações."Xingu", o filme de Cao Hamburger, exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim 2012 e será atração no Festival de Tribeca (Nova York) ainda em abril, recupera uma parte desta imensa herança do trio, dos quais ficaram mais conhecidos Orlando e Cláudio, depois da morte precoce do caçula Leonardo, em 1961. Orlando morreu em 2002, Cláudio, em 1998.
O primeiro desafio do filme, com roteiro de Cao Hamburger, Elena Soárez e Anna Muylaert, é o enorme período de tempo que se dispõe a atravessar - e que obriga a narrativa a dar saltos e simplificar episódios.
Apesar disso, "Xingu" supera dois grandes obstáculos ao humanizar cada um dos irmãos e deixar clara sua inquestionável defesa dos indígenas, que culminou na criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961 - um verdadeiro milagre, que completou 50 anos mesmo diante do assédio de latifundiários e posseiros para exploração de suas
riquezas e terras.
Os primeiros a largar São Paulo rumo a Goiás são Cláudio (João Miguel) e Leonardo (Caio Blat), que têm que fingir-se analfabetos para ser aceitos na expedição que, no governo Getúlio Vargas, busca conquistar novos territórios para o chamado "progresso".
Funcionário de uma empresa petrolífera em São Paulo, Orlando (Felipe Camargo) é o último a abandonar a vida confortável pela incerteza, mas também pela aventura nessa nova fronteira do Brasil. Manifestando uma liderança natural, os irmãos logo se mostram quadros de valor na abordagem de índios isolados, arredios e, não raro, agressivos contra uma invasão branca afoita e causadora de justificada desconfiança.
Sem formação específica para isso, os irmãos logo se tornam naturais interlocutores dos índios, de quem aprendem línguas, costumes,
além de tornarem-se seus maiores protetores.
Estas boas intenções por parte dos Villas Bôas não bastam para preservar as populações nativas da cobiça econômica e de uma vasta agenda política, que leva especialmente Orlando a tornar-se uma espécie de negociador permanente com os sucessivos governos do país: Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros (no governo de quem se criou o Parque do Xingu), João Goulart e os presidentes militares pós-golpe de 1964.
Se fica em primeiro plano a grande afeição entre os três irmãos, também explodem as diferenças que os separam em diversos momentos da vida - como o dramático conflito com Leonardo por
seu envolvimento com uma índia que culmina em sua expulsão de volta para São Paulo, no final dos anos 1950. Da mesma forma, Cláudio nem sempre vê com bons olhos as negociações de Orlando junto aos políticos, num jogo que também acarreta diversas concessões.
Um tema que escoa nítido é a inevitabilidade da chegada dos brancos e o esforço dos Villas Bôas para ganhar tempo para os índios, ao mesmo tempo lhes permitindo formar novas lideranças entre eles mesmos, que, no devido tempo, assumirão as funções paternalistas dos sertanistas com mais propriedade.
Uma prova desta evolução no papel dos indígenas como donos da própria história está no próprio elenco indígena do filme, como Tapaié Waurá (no papel do cacique Izaquiri), Maiarim Kaiabi (Prepori) e Awakari Tumã Kaiabi (Pionim) - cuja autenticidade fala por si.
Uma certa amargura, prova do realismo do filme, também percorre os sentimentos dos dois irmãos sertanistas, no último episódio coberto pelo enredo: a construção da Transamazônica, nos anos 1970, que forçou Orlando e Cláudio, contra a vontade, a contatarem os ainda isolados krenacarore. Um contato, aliás, bárbaro para eles: dos 600 índios conhecidos então, apenas 79 restaram.
Talvez o maior mérito de "Xingu", além da qualidade técnica de sua fotografia (Adriano Goldman), montagem (Gustavo Giani) e música (Beto Villares), seja conseguir falar com um grande público sobre temas áridos, como devastação e chacina de populações nativas, sem banalizar nenhum deles.
TRAILER DO FILME: XINGU